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Jovens levam papo de política de volta ao bar

Por Hilka Telles, do Jornal O Dia 

Rio - A pergunta era simples: a juventude de agora voltou a conversar sobre política em mesas de bares, como os jovens de gerações passadas faziam? Foi a deixa para que cinco rapazes entre 21 e 32 anos, frequentadores de um bar no Baixo Gávea, iniciassem uma acalorada discussão, que durou nada menos que uma hora. Os temas eram educação, saúde, transporte público e corrupção.

O mais novo do grupo, o estudante de administração Matheus Tavares, resumiu o sentimento de todos, apontando para um cartaz afixado na parede, no qual se lia: “Eu vou à luta com essa juventude, que não foge da raia a troco de nada. Gonzaguinha”. Num bar próximo, o estudante Augusto Ribeiro, 23 anos, garantiu que os jovens acordaram. “Saímos da internet para as mesas de botequim”, cravou.

Na tijucana Praça Varnhagen, cercada de botecos por todos os lados, a reação foi idêntica: bastou a indagação, e uma turma de amigos na faixa dos 20 e poucos anos não se calou por 40 minutos, falando desde PEC (Projeto de Emenda Constitucional) até prisão de deputado.




“Descobrimos que temos voz”, sentenciou Paola Oliveira, 23. “E essa voz ecoa”, completou o amigo Marcelo Marchon, um ano mais velho que ela, ressaltando que as manifestações e seus desdobramentos têm sido os assuntos mais cotados nas chopadas.

O fato é que, depois de um jejum político de 20 anos, quando temas como paredão do Big Brother, esporte, moda, academia, sexo, dieta, trabalho e estudos permearam o bate-papo dos jovens entre um copo e outro nos botequins — como eles mesmos admitiram —, a galera na casa dos 30 anos para baixo rompeu o casulo do silêncio.

Em apenas um mês, novo vocabulário na ponta da língua

Há pouco mais de um mês, antes da série de manifestações em todo o Brasil, era quase impensável que jovens na casa dos 20 anos soubessem o que é uma PEC. Quanto mais que discutissem o teor de alguns desses Projetos de Emenda Constitucional. Mas a juventude está quebrando preconceitos e mostrando familiaridade até com temas específicos.

“Eu não sabia mesmo o que era isso”, revelou o estudante de Educação Física Bruno Perez, 23 anos, que agora não apenas conhece o assunto, mas opina a respeito. Entre um gole e outro de cerveja, acompanhado de quatro amigos num bar do Centro, ele criticava a PEC 37, que retiraria o poder de investigação do Ministério Público. Horas depois da entrevista, o projeto foi derrubado no Congresso Nacional.

Bruno Coury, 32, admitiu que, antes da onda de atos públicos, ele e seus amigos não falavam de política nas mesas de bares. “Conversávamos sobre amenidades. Na época das eleições é que procurávamos saber em quem votar. Ficava um perguntando para o outro qual seria o melhor candidato. Agora há um senso comum: pago impostos, o estado não me dá nada de graça, quero serviços satisfatórios. É meu direito”, discursava o rapaz, para o delírio do grupo de amigos num boteco do Baixo Gávea.

‘Um ambiente propício para o debate’

Num boteco da Lapa, os amigos Antônio Oliveira, de 24 anos, e Emerson Granja, 23, até abriam um cardápio de possíveis nomes para a Presidência da República nas próximas eleições. Enquanto isso, em uma mesa próxima, o estudante de Comunicação Yago Barbosa, 20, definia o papel dessa nova juventude: “Queremos mudar o Brasil para melhor. E para isso tem que haver discussão. Até na mesa de bar”.

Em outro boteco da Lapa, a doutora em Música Nadge Breide, 55, e um grupo de jovens com idade entre 20 e 29 anos, conversavam animadamente. “Sem dúvida, o jovem está resgatando uma prática que era comum à minha geração: discutir temas de importância nacional. E a mesa de bar sempre foi um ambiente propício”, analisou a doutora.

No Cachambi, jovens criticavam a economia. “Sou enfermeira, tenho 24 anos e não consigo renda para sair da casa dos meus pais. Todo mundo está saturado, e essa insatisfação se reflete nas conversas de bar”, disse Joana Bastos.

Nos botecos, ideias e interesses diferentes convivem em harmonia

Para o mestre em sociologia e professor da PUC-RJ Aloísio Alves Filho, o bar sempre foi considerado um ponto de encontro democrático, onde ideias e interesses diversos podem conviver em harmonia. Frequentar botecos faz parte da cultura do brasileiro de todas as idades e nada mais natural do que levar para suas mesas as discussões de interesse coletivo.

“Como a juventude redescobriu a política nesse último mês e conheceu a força de sua própria voz, é natural que os assuntos ligados aos destinos do país – que ensejaram as recentes manifestações – estejam permeando os bate-papos nos locais de encontro desses grupos. Eles se sentem estimulados a discutir mais a situação do Brasil”, disse Alves Filho.

O sociólogo também lembrou que os jovens foram a vanguarda de vários movimentos nacionais ao longo da história do país: “A União Nacional dos Estudantes foi para as ruas na década de 40 exigindo a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial. A Petrobras foi criada depois da campanha ‘O Petróleo é Nosso’, quando a juventude também foi para as ruas empunhar essa bandeira”.

Outros exemplos foram citados: “Durante a ditadura militar, os jovens cerraram fileiras em passeatas até que a democracia fosse restabelecida. E em 1992 foi a vez dos caras-pintadas , peças fundamentais para a derrubada de um presidente da República”, acentuou o sociólogo.
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