Jornal do Brasil
Depois de confrontos e saques assolarem as ruas do Leblon ao final da última manifestação em frente à residência de Sérgio Cabral (PMDB), na quarta-feira passada (18), um decreto foi assinado pelo governador para a criação de uma Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV). No entanto, o texto atribui à comissão poderes considerados inconstitucionais por especialistas. A quebra de sigilo telefônico e de internet para investigações, previsto no decreto, criam um cenário de estado de sítio no Rio de Janeiro.
No artigo segundo, é esclarecido que a CEIV poderá “requisitar informações, realizar diligências e praticar quaisquer atos necessários à instrução de procedimentos criminais com a finalidade de punição. Já no artigo terceiro, é dito que as solicitações da comissão terão “prioridade absoluta” e que as “empresas operadoras de telefonia e provedoras de internet terão prazo máximo de 24 horas para atendimento dos pedidos”.
Anunciado durante coletiva na semana passada, o decreto foi publicado no Diário Oficial nesta terça-feira (23), com todos os detalhes, logo suscitando críticas no meio jurídico, ativistas e manifestantes, principalmente após o ato realizado em Laranjeiras. Depois de um protesto pacífico, policiais entraram em confronto com os manifestantes, em ofensiva que resultou na detenção de dois repórteres da mídia alternativa “Ninja” e relatos de uso de munição letal.
Hoje (22), haverá, na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro, uma reunião da CEIV, que é composta por membros da Secretaria de Segurança, Policia Civil e Polícia Militar, além do próprio Ministério Público. Em relação aos pontos polêmicos do decreto, a Anistia Internacional respondeu que ainda está avaliando o texto antes de emitir opinião. Assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, que durante os protestos de ontem chegou a sofrer reclamações da PM por estar “atrapalhando o trabalho dos agentes”, e afirmou que a sua comissão de estudo penal está analisando e observando o decreto, para depois poder se posicionar.
Enquanto isso, postagens na rede social Facebook já circulam pela internet com diversas acusações sobre possível inconstitucionalidade do decreto. O deputado federal Chico Alencar (PSOL) divulgou, em seu perfil do facebook, uma análise do jurista Paulo Rená, mestre em Direito Constitucional, em que ele afirma ser ilegal e inconstitucional a criação e os poderes atribuídos à comissão, principalmente em respeito ao artigo que obriga as empresas telefônicas e de internet a atenderem às solicitações da CEIV em 24h, o que daria margem a quebra de sigilo individual e criaria um estado de exceção:
“A previsão de obrigação sobre as empresas de telefonia e internet extrapola a competência legislativa do Governador e configura um uso abusivo do poder estatal. Primeiro, porque cabe exclusivamente à União regular o serviço de telecomunicações. Segundo, porque o Poder Executivo não tem poder para estabelecer uma prioridade para “todos” os órgãos oficiais, de forma indistinta. O decreto, ao impor um prazo de 24h para atender pedidos de informações, incita as empresas privadas a cometer um crime previsto em lei (art. 10 da Lei 9296), ao quebrar o sigilo de comunicação sem a exigência expressa de uma ordem judicial. Lembrando que é apenas admitido restringir o sigilo de comunicações em estado de sítio ou de defesa (que deve ser declarado pelo Presidente da República e ratificado pelo Congresso Nacional). Assim, na prática, esse decreto instaura um estado de exceção no Rio de Janeiro.”, explicou.
Além do abuso de poder admitido sobre empresas telefônicas e de internet, o que remeteria a uma situação de estado de sítio, a prioridade absoluta concedida aos pedidos da Comissão causa espanto à sociedade civil. Dessa forma, a investigação de delitos durante manifestações ganharia importância maior sobre outros tipos de crimes, inclusive os hediondos, como tortura, tráfico ilícito e outros:
“A prioridade absoluta das solicitações da CIEV se mostra incompatível com as previsões da Constituição Estadual do RJ, a qual prevê expressamente “preferência no julgamento da ação de inconstitucionalidade, do habeas corpus, do mandado de segurança individual ou coletivo, do habeas data, do mandado de injunção, da ação popular, da ação indenizatória por erro judiciário e da ação de alimentos”, e, ainda, que “A tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os crimes definidos como hediondos serão objeto de prioritária prevenção e repressão pelos órgãos estaduais e municipais competentes”, conclui Paulo Rená, que observou artigos da Constituição Federal, da Lei Federal nº 9296/1996 e da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, para sustentar sua análise.
No “Panela de Pressão”, ferramenta da mobiliizadora Meu Rio criada para canalizar movimentos de pressão popular, o jovem Rafael Rezende lançou uma campanha para a revogação do decreto. Segundo ele, “o decreto, já apelidado de novo AI-5, publicado pelo governador dá a entender que objetivo não é investigar vândalos, mas, sim, intimidar os manifestantes” e que “toda a atenção do mundo está voltada para o Rio de Janeiro. Cabral está mais acuado e desmoralizado do que nunca.”.
Em tempo: O MP e o governo estadual negaram que o decreto permita a quebra de sigilo sem autorização judicial. Leia mais na Veja.com.
Em tempo: O MP e o governo estadual negaram que o decreto permita a quebra de sigilo sem autorização judicial. Leia mais na Veja.com.
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