RIO — A gestão do candidato ao governo do Rio Marcelo Crivella (PRB) à frente do Ministério da Pesca não impediu que novos indícios de irregularidades ocorressem no pagamento do seguro-defeso, o Bolsa Pesca. Segundo levantamento do GLOBO, no estado que mais recebe seguro-defeso, o Pará — onde, de janeiro de 2011 até este ano, já foi pago R$ 1,69 bilhão de Bolsa Pesca —, o Ministério Público Federal tem pelo menos 22 investigações sobre denúncias de irregularidades no pagamento do seguro no período em que Crivella foi ministro, de março de 2012 a março último.
Um dos inquéritos trata especificamente da superintendência do ministério no Pará — um dos 11 estados onde os nomes dos superintendentes, e em alguns casos também de seus substitutos, constam como filiados ao PRB no Tribunal Superior Eleitoral, segundo levantou O GLOBO. O seguro é pago a pescadores artesanais no defeso, em que se proíbe pesca de certas espécies.
Na investigação sobre a superintendência, o MPF apura suposto estelionato e inserção de dados falsos, a partir de “notícia de que servidores estariam cadastrando, mediante fraude (com data retroativa), pescadores e/ou falsos pescadores (...) visando habilitá-los ao recebimento do seguro-defeso”.
Em Eldorado dos Carajás, inquérito apura suposto estelionato: “o presidente da associação de pescadores estaria cadastrando fraudulentamente não pescadores” e “se locupletando ilicitamente com valores cobrados a título de taxas”. Outro inquérito apura “notícia de que atravessadores estariam exigindo metade do benefício de supostos pescadores da Ilha do Marajó”.
AUDITORIA DO TCU CONCLUÍDA
O Tribunal de Contas da União também investiga o seguro-defeso, em auditoria já concluída e que está no gabinete do relator, ministro Augusto Sherman. A auditoria, para “verificar a eficácia dos controles internos” da concessão do seguro, foi iniciada em julho de 2013 — pouco mais de um mês após O GLOBO ter revelado denúncias de cooptação da Confederação Nacional de Pescadores e Aquicultores (CNPA) e das superintendências da Pesca pelo partido de Crivella. Na gestão dele, a CNPA passou a acompanhar o cadastro dos pescadores no registro de pesca, requisito para o recebimento do Bolsa Pesca. O então presidente da CNPA, Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, tornou-se, em 2013, presidente do PRB no Rio Grande do Norte.
Nestas eleições, Lincoln virou candidato a deputado federal pelo partido, e se afastou da CNPA para se dedicar à campanha. Mas seu filho é o atual superintendente da Pesca no RN; filiou-se ao PRB em maio de 2012, logo após Crivella assumir a pasta. Também se filiaram quando ele já era ministro a superintendente no Pará e seu substituto. Outros estados em que os superintendentes estão na lista de filiados são, por exemplo, Mato Grosso do Sul e Piauí.
Em auditoria que concluiu no Ministério da Pesca em abril de 2013, a CGU também confirmou denúncias reveladas pelo GLOBO. Em Rondônia, ao analisar informações enviadas por colônias e federações de pesca, o órgão apontou que “não há nenhuma comprovação por parte dessas instituições quanto ao tempo em que o interessado é filiado ou que vem realizando a atividade da pesca”.
CONTRATAÇÃO QUESTIONADA
Se as federações não comprovam os dados do pescador, tampouco a superintendência as checa, diz a CGU. O órgão viu que, desde agosto de 2012, “não havia por parte dos servidores procedimento de validação dessas informações”, como checagem do endereço informado, se possui fonte de renda ou se de fato é pescador. A CGU chega a recomendar o recadastramento dos pescadores no estado, onde 86% dos pescadores estavam registrados só em Porto Velho, diz o órgão.
Nessa auditoria, a CGU também questiona a dispensa de licitação da Digiselo, contratada pela Pesca na gestão de Crivella para fornecer selos para registro da impressão digital dos pescadores ao recadastrá-los. Segundo a CGU, a capacidade técnica exclusiva da Digiselo (motivo da dispensa) foi atestada pela Associação Comercial do DF — que, diz a CGU, não tem “competência” nem “abrangência” para garantir isso. O mesmo entendimento havia tido o MPF-DF ao analisar em 2010 contrato entre a Digiselo e o Cespe/Fundação UnB, quando propôs ação de improbidade administrativa, aceita pela Justiça.
Perguntado sobre irregularidades no registro de pesca e no seguro-defeso em sua gestão, Crivella afirmou que uma de suas primeiras providências na pasta “foi suspender a emissão de novas carteiras até dezembro de 2012. A partir do início de 2013, o MPA começou o recadastramento dos pescadores e criou uma nova carteira, com foto e chip, que contém todas as informações do trabalhador”. Crivella ressaltou que “esses documentos foram entregues apenas aos que se submeteram ao recadastramento” e que “o procedimento ainda está em execução até hoje”.
O Globo
0 comentários:
Postar um comentário