Por Miriam Leitão
Como era previsível, o Congresso derrubou o veto da presidente ao projeto de mudança na distribuição dos royalties. Tudo, desde o início, era previsível nesta briga entre os estados, que começou pela iniciativa do governo de mudar a antiga lei do petróleo. O governo colocou dinheiro na mesa e estimulou a disputa. Houve briga e a minoria foi esmagada.
Governo que queira reabrir uma questão sobre destino de receitas tributárias precisa prevenir o antídoto para o natural conflito que haverá entre os entes federados. Todos querem o máximo. Quando o governo Lula decidiu mudar a lei do petróleo, ele estava convencido de que a receita iria aumentar muito com o pré-sal. Mas isso está cada mais distante e mais incerto.
A Petrobras está com dificuldades financeiras, tem investido menos do que tinha planejado e houve problemas na prospecção. Além disso, parte das previsões era mesmo exagerada. O governo, ao propor mudar a distribuição dos royalties do futuro, incentivou os estados não produtores a mudar também a distribuição das receitas dos campos já licitados.
Quando eclodiu o conflito federativo, caberia à União o papel de encontrar uma solução pactuada. Não o fez e o país se dividiu: os estados produtores se sentiram expropriados pelos não produtores, e os não produtores se uniram convencidos de que Rio e Espírito Santo usam indevidamente riqueza coletiva.
A disputa judicial não soluciona esses sentimentos porque qualquer que seja o lado perdedor ele culpará o outro de espoliação. Se o Supremo Tribunal Federal (STF) demorar a julgar será ruim porque os produtores já estão executando seus orçamentos e os não produtores já contam com o dinheiro. A demora só vai aumentar a confusão.
O que o governo poderia ter feito — convencido de que era fundamental mudar a lei do petróleo — seria incluir uma rediscussão do ICMS da energia. Estados produtores de petróleo e de energia não podem recolher ICMS sobre os produtos porque eles são taxados no destino, diferentemente de todos os outros bens. Isso permitiria a estados produtores abrirem mão de royalties, se ressarcidos com o ICMS. Isso acabaria com um tratamento desigual no recolhimento dos impostos estaduais.
O Pará está se preparando para ser um grande fornecedor de energia elétrica para o país, mas não recolherá ICMS. O mesmo acontece com o Paraná e Minas Gerais.
Se o governo estava convencido de que explodiria a arrecadação dos impostos de petróleo, outra decisão poderia ter sido criar, desde o início, um fundo para investir em todos os estados em projetos estratégicos. O mais importante deles, educação. Outro seria o combate aos efeitos das mudanças climáticas.
A vitória dos estados não produtores de petróleo pode levar os produtores a exigirem uma mudança na lei do ICMS. Por decorrência, os estados que são sede de usinas produtoras de energia elétrica também vão querer tratamento semelhante.
Já há quem defenda que os royalties do minério também sejam redistribuídos, o que prejudicaria Minas e Pará. Neste momento, há um novo marco regulatório sendo discutido e as empresas temem aumento de tributação. Minas sempre defendeu que fossem elevados os royalties do minério. Imagine o que aconteceria se algum estado defendesse que os royalties sejam redivididos, argumentando que o subsolo é da União?
Uma coisa vai puxando a outra. Novos conflitos podem surgir, a partir deste que o governo criou ao decidir mudar a lei do petróleo sem se antecipar aos óbvios problemas que seriam criados. Tudo pode ser discutido, mas deveria ser dentro de um conjunto de mudanças tributárias que sanassem algumas assimetrias de tratamento. Além disso, a União poderia ter deixado claro desde o início que a maior parte dos royalties é recolhido ao governo federal, que os redistribui a estados e municípios.
O dinheiro é muito para Rio e Espírito Santo, mas não é o suficiente para fazer uma mudança relevante nos outros estados e municípios. Eles podem acabar frustrados nas suas expectativas de arrecadação e os estados que terão que abrir mão de receita de campos já licitados terão uma queda de receita que os levará a ter dificuldades fiscais.
A mais elementar lei de uma federação é a de que os direitos das minorias são respeitados exatamente pela ação pacificadora da União.
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