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Carta do professor Carlos Lessa

Esta carta foi escrita pelo homem que defende o Pré-sal, foi reitor da UFRJ e Presidente do BNDES.
Carta do professor Carlos Lessa
aos eleitores !

Todas as sociedades contêm dentro de si forças de fragmentação e forças de integração. Diferenças de renda e de acesso à propriedade, distâncias físicas e sociais, desconhecimento recíproco, idolatria do egoísmo e do consumo desenfreado, tudo isso separa as pessoas. Os direitos, os espaços públicos, o trabalho, a necessidade cotidiana de cooperação, a solidariedade, as festas e celebrações, a cultura, o amor, isso as une.

No Rio de Janeiro de hoje predominam forças de fragmentação, que multiplicam a violência e o medo. Há quem anseie por uma separação ainda maior, plenamente consumada, praticamente completa. É um anseio ruim: quanto maior a apartação, maiores a desigualdade, o preconceito e o ódio, geradores de mais violência. É um anseio impossível: o convívio em sociedade em sua essência é um lugar de encontro e de comunhão, onde mais se desenvolve a sociabilidade humana.

Um estado democrático deve usar todos os recursos disponíveis para tornar neste convívio o lar de todos. Também este é, de certo modo, um desejo impossível. Forças de fragmentação continuarão a existir, pois a sociedade as recria. Mas, se nos propomos a ser governo, é porque acreditamos na possibilidade de fazer a civilização prevalecer sobre a barbárie. Isso exige um regime comum de valores, maior igualdade de oportunidades, caminhos de mobilidade social ascendente, a idéia de um futuro em construção.

A escola pode separar ou unir. A escola que une é pública, universal e de boa qualidade. Nela, crianças de todas as classes, de todos os lares, de todas as cores, se encontram, se tornam amigas e recebem a mesma educação fundamental. Preparam-se para serem cidadãos. As escolas do Estado do Rio de Janeiro abrigam milhares de crianças e jovens. Seus servidores são os formadores das gerações de amanhã. Essa rede humana e material, de valor inestimável, tem de ser valorizada por uma remuneração digna e tem que se capacitar para oferecer atenção integral ao estudante – incluindo alimentação, assistência social, atividades diversificadas e cuidados com a saúde –, pois muitas dificuldades de aprendizado não podem ser corrigidas apenas em aulas tradicionais.

O sistema de saúde pode equalizar os direitos ou consagrar os privilégios. Para que a primeira opção prevaleça é preciso muito mais que promessas. Estamos em uma posição intermediária na transição epidemiológica. “Doenças da modernidade”, como as do aparelho circulatório e as neoplasias, já estão entre as principais causas de óbito, mas as “doenças da pobreza”, como as parasitárias, a hanseníase e a tuberculose, continuam disseminadas. Algumas “doenças antigas”, como a dengue, retornam. E as causas externas, especialmente violência e acidentes de trânsito, predominam na mortalidade entre jovens, o que exige muitas intervenções de emergência. Diante de um quadro tão complexo, improvisações não resolvem. Para estender a todos o direito à saúde, é essencial que o Estado garanta o funcionamento de um sistema integrado, de grande capilaridade, confiável, humano, versátil, concebido racionalmente, que trate prioritariamente da prevenção para poder oferecer atenção curativa eficaz em níveis de complexidade crescentes.

O sistema de transportes determina em grande medida que tipo de uso as vias públicas terão. O planejamento das movimentações pendulares, de ida e volta entre a casa e o trabalho, é essencial para a qualidade de vida de todos. As principais cidades do mundo contam com poderosos sistemas baseados na combinação trem/metrô, reservando a ônibus e automóveis um papel complementar. É nessa direção que devemos rumar – aqui, considerando o complexo trem/metrô/barcas –, pois ela racionaliza os deslocamentos, facilita a integração, diminui a concorrência pelas mesmas vias, aumenta a capacidade de escoamento em velocidades constantes e barateia os custos. Mesmo se for operado por diferentes empresas, o sistema tem que ser planejado e dirigido a partir de um único centro, um órgão público que tome decisões a partir de uma visão de conjunto. O fluxo interno logístico no Estado é elemento central para o sucesso da economia fluminense.

O sonho do progresso é sempre alimentado pela possibilidade, real ou imaginária, da mobilidade social. O desenvolvimento econômico pode multiplicar essas oportunidades, se for justo com as pessoas e responsável com ambiente. Cultura e natureza formam a identidade das cidades do Estado do Rio, e em torno delas pode haver uma economia pujante. O Estado do Rio tem em suas áreas rurais parcelas significativas que são ocupadas por áreas verdes, às quais se agregam centenas de quilômetros de praias, ilhas, rios, lagoas e os espelhos d’água das baías da Guanabara e de Sepetiba. A livre disposição desse patrimônio, único no mundo, combinada com a redução da poluição e do temor à violência, fará do Estado do Rio de Janeiro um lugar privilegiado para viver, visitar e trabalhar.

Cenpes, Coppe, Cepel, Fiocruz, IME, Furnas, BNDES, Petrobrás, Nuclebrás, PUC, UFRJ, UERJ, CBPF, CVRD e outras instituições, aqui instaladas, significam alta concentração de inteligência e trabalho qualificado. E há alternativas claras de desenvolvimento industrial. A macrorregião que inclui Angra dos Reis precisa planejar cuidadosamente esse desenvolvimento para responder ao desafio da expansão do porto de Itaguaí, pois o que a baía da Guanabara foi ao passado, a de Sepetiba será no futuro. O mesmo se passa com o norte fluminense com respeito á Macaé, á Campos e ao porto do Açu. Isso reforça a necessidade de o Estado do Rio de Janeiro liderar as articulações de suas cidades, tendo em vista aperfeiçoar a infra-estrutura e os serviços.

Os investimentos públicos precisam seguir critérios justos e transparentes, levando em conta as necessidades, as potencialidades e a densidade populacional de cada área. As instalações das cidades demandam um esforço permanente contra a tendência natural ao envelhecimento. Hoje, esparrama-se pelo Estado do Rio de Janeiro um arquipélago de locais esvaziados ou abandonados: terrenos militares obsoletos, áreas fabris desativadas, instalações portuárias e ferroviárias em desuso, prédios públicos subutilizados. Em muitos casos, são heranças negativas do antigo Distrito Federal, pois, ao se transferir da cidade do Rio de Janeiro, capital do Estado, a União se tornou uma grande proprietária ao mesmo tempo avarenta e relapsa. Até mesmo o Centro do Rio e seu entorno abrigam inúmeras áreas decadentes. Parte expressiva do eixo da Avenida Presidente Vargas, aberto na década de 1930, ainda não foi ocupada. Um sobrevôo pela Lapa, o Bairro de Fátima, a Gamboa, o Caju, o Catumbi, São Cristóvão e toda a zona portuária mostra vazios e ruínas em regiões com grande valor simbólico, histórico e arquitetônico, que dispõem de infra-estrutura plena e podem se converter em adequadas alternativas domiciliares, incorporando-se ao renascimento da vida metropolitana.

Um dos maiores sintomas do predomínio das forças de desagregação presentes em nossas cidades e é a profunda alteração do “lugar” das favelas na vida e no imaginário da cidade. Durante muito tempo, apesar dos problemas, elas foram vistas como ambientes ricos em experiências associativas e de cooperação. Boa parte da cultura e da própria identidade do Rio de Janeiro, especialmente na música, nascia nelas. Essa percepção se alterou. A competição entre gangues pelo controle do tráfico e as incursões policiais, o mais das vezes arbitrárias e ineficazes, amplificaram a violência e estigmatizaram as favelas em todo o estado como zonas francas do crime. Por essa vertente reinstala-se a velha visão dos pobres como classes perigosas, o que esconde o fato de que o jovem favelado é a maior vítima na situação atual. A violência internalizada pelo tráfico nas comunidades e o medo associado a esse quadro deterioram dramaticamente a qualidade de vida dos próprios favelados, que são 1/3 da nossa população. Há favelas e favelas, diferenciadas pelo tamanho, pelo tempo de sedimentação e por padrões de subsistência. O denominador comum relevante é sua precária inserção nas instituições das cidades, tarefa, em grande parte, afeita também à ação das prefeituras.

O Rio de Janeiro necessita de paz. Não há caminho fácil para estabelecê-la. A construção do estado de guerra, em que vivemos, foi processual e teve múltiplas causas. A construção da paz, de que precisamos, não poderá ser diferente. Massacres sucessivos e criminalização generalizada das alternativas de sobrevivência da população pobre só agravam os problemas. A paz tem que ser construída com persistência, o que exige grande política. A pequena política difunde o cinismo, rebaixa os valores, facilita a corrupção, desqualifica a democracia, nos envergonha. A grande política defende projetos, eleva os valores, promove a participação, a consciência, o encontro e a troca. Prepara a paz.

O petróleo é fundamental para a economia fluminense. A questão dos recursos advindos de sua exploração também. Um estudo da Associação dos Engenheiros da Petrobrás demonstra que nossa preocupação com esta questão tem de ir muito além da questão de royalties. Temos de garantir em primeiro lugar os interesses nacionais. O petróleo é nosso. Mas temos que na questão das indenizações pela exploração do petróleo explicar o porquê, o para quem, e o para quê.

Apoiamos Fernando Peregrino. Ele compartilha os nossos ideais e, por sua história de vida, merece a nossa confiança. Nunca traiu. Militou em partidos que sempre estiveram ao lado do povo brasileiro. É o que reúne as melhores condições para impedir um segundo turno entre os dois conservadores, que representam forças de desagregação. Se Peregrino for eleito, estenderá as mãos a todos para devolver ao Estado do Rio orgulho, esperança e alegria.

Junte-se a nós. Nosso estado tem uma chance. Não devemos desperdiçá-la.

CARLOS LESSA

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