Pesquisar este blog

A crise brasileira e a preguiça de pensar


Por Marcos Cavalcanti, de O Globo

"First we make our choices. Then our choices make us".
"Primeiro fazemos nossas escolhas. Depois nossas escolhas nos fazem". (Anne Frank)

Em 2003, durante uma greve de professores do Estado do Rio de Janeiro, um deputado estadual afirmou que faltavam 10.000 professores na rede pública estadual. Diante deste diagnóstico só havia uma política pública razoável a ser adotada: contratar os 10.000 professores! Na ocasião fiz um levantamento e me surpreendi com os resultados. Tínhamos cerca de 50.000 professores e 600.000 alunos matriculados, o que dava uma média de 12 alunos por professor. Isto era muito ou pouco? Difícil saber, mas fui ver qual era a relação na França, um país que possui, reconhecidamente, uma educação pública de muito melhor qualidade que a nossa. Pois bem, lá a relação é de 13 alunos por professor. Ou seja, mesmo sem os 10.000 professores, tínhamos (proporcionalmente) um número maior de professores que a França!

Onde estava o problema então, já que muitos alunos voltavam para casa sem aulas por falta de professores? Faltavam professores na sala de aula porque muitos deles (quase 10.000!) estavam cedidos a outros órgãos ou para gabinetes de vereadores e deputados. A solução não era, portanto, contratar mais professores (boa parte deles continuaria sendo desviada de suas funções), mas chamar para trabalhar em sala de aula os que lá não estavam...

O que aprendi neste episódio? Que se fazemos um diagnóstico equivocado, as soluções apresentadas não só não vão resolver como podem agravar o problema.


Me lembrei deste episódio lendo uma entrevista de Wilson Cano, professor de economia da Unicamp à revista Carta Maior (clique aqui para ver a íntegra da entrevista). Segundo ele, "a indústria de transformação perdeu peso na composição da riqueza do país nos últimos 30 anos em decorrência da crise anos 1980 e da adoção de políticas neoliberais que diminuíram a autonomia do Estado brasileiro no manejo da política econômica"... "Nossa crise tem mais de 30 anos, não é uma crise que começou há 2 ou 3 trimestres. É uma crise estrutural que nos fez chegar no ponto em que estamos”. Em resumo, para o professor "a culpa é do FHC"...

Na minha opinião o professor se equivoca no diagnóstico da crise e demonstra uma enorme preguiça para pensar.

Em primeiro lugar é positivo que ele reconheça que estamos numa crise. Para muitos, esta crise é uma invenção da "mídia golpista". Mas a perda da competitividade da indústria brasileira não ocorreu por causa da "abertura comercial da economia nacional", como ele afirma em sua entrevista. Pelo contrário. Todos os países que tornaram suas indústrias competitivas o fizeram exatamente porque expuseram suas empresas à economia mundial.

A crise de longo prazo é a crise de mudança para a sociedade do conhecimento

As causas da crise brasileira tem componentes de longo e de curto prazo, mas as de longo prazo não são culpa do FHC, mas de uma visão equivocada do momento pelo qual o mundo está passando. Estamos em plena transição de uma economia tipicamente industrial para uma economia baseada no conhecimento. O valor dos produtos e serviços não está mais centrado na trabalho e no capital, mas na capacidade que as empresas têm de agregar valor a partir do conhecimento e da inovação. Nossas empresas ainda não entenderam isto e procuram garantir seu mercado exatamente como propõe o economista da Unicamp: com protecionismo e restrições à entrada de produtos de outros países.

Sejam quais forem seus setores, as empresas precisam aprender a agregar valor a seus produtos. A Embrapa faz isto no setor agrícola e a Petrobras no setor de petróleo, mas as empresas brasileiras são muito pouco inovadoras e sem inovação não conseguiremos competir no século XXI.

No curto prazo: ou acabamos com o paternalismo ou o paternalismo acaba com o Brasil

As causas de curto prazo tem a ver com a nossa mania de ser paternalista. Acreditamos que o Estado tem que fazer tudo pelas pessoas e pelas empresas, quando deveria apenas criar e zelar pela existência de condições justas para que pessoas e empresas pudessem se desenvolver sem sua tutela. A Coreia, que adotou uma estratégia de valorização dos produtos de suas próprias empresas,por exemplo, obrigava as empresas coreanas a vender seus produtos no mercado interno pelo mesmo preço praticado nas exportações destes produtos E se eles não fossem exportados perdiam a reserva de mercado.. Ou seja, ao invés de fechar o mercado, ela estimulou as empresas a serem competitivas globalmente.

E o que fizemos nós? O "Pai Estado" criou a reserva de informática para as empresas nacionais, sobretaxando os computadores de outros países, sem nenhuma contrapartida de desenvolvimento tecnológico, inovação e competitividade. O resultado todos nós conhecemos: computadores nacionais caríssimos e de baixa qualidade e uma perda gigantesca de competitividade da economia brasileira.

Ousar pensar diferente

Nossos economistas precisam abandonar o seu velho discurso e suas velhas polêmicas (estatistas versus neoliberais), sacudirem a poeira de suas velhas teorias e trabalhar para compreender este novo mundo que surge. Do ponto de vista micro, das políticas públicas, precisamos romper esta lógica paternalista e do ponto de vista macro precisamos nos preparar para competir num mundo onde o conhecimento se transformou no principal fator de produção.

Claro que ninguém precisa concordar com meu diagnóstico e com minhas ideias. Mas insistir na mesmice, continuarmos falando mais do mesmo não contribuirá para enfrentarmos de maneira profunda esta crise e as que virão. Na mesma linha da Anne Frank, Einstein já tinha dito que " Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes".

Ousemos pensar diferente, até porque não temos outra escolha.

    Blogger Comente
    Facebook Comente

0 comentários: